sexta-feira, 1 de julho de 2011

Menina


Ela cheirava a vinho, nicotina e baseado.


Dava pra ver o cansaço estampado no olhar. Dito cujo, por sinal, prendeu-me a atenção mais do que todas as outras sutilezas. Olhos negros feito abismos. Gostei deles mesmo que cansados, pelas metades, mesmo que parecessem sangrar em volta 'do abismo'. Pois não deixavam escondida a expressão que emanavam, e talvez nem fechados conseguissem. Soavam assim, extremamente compreensivos, ideais emoldurados pelos cílios.




Me absorveu a sinceridade estética da pele sardenta,
do emaranhar dos cabelos ao vento, despenteados.
Da naturalidade dos lábios sem maquiagem alguma.
Menina de essência e ares orgânicos,
jeito humano escancarado de ser natureza,
de andar suave, pés sutis e perspicazes.
Isentos das imperfeições mundanas,
ausentes das vergonhas do tempo,
das marcas que a vida deixou na pele.
Ela sorria um sorriso sincero
sem a pretensão de que todo mundo a estivesse olhando,
ela sorria e olhava fundo pra dentro de si,
numa imersão sábia de quem sabe o que está ouvindo.
Olhava nos olhos de quem se comunicava com ela,


E eu a notava, e queria que ela percebesse. 


Ela passou por uns bocados, foi o que ouvi dizer, sangrou cedo.
Desenvolveu daquelas humildades naturais que só a dor revela. 
Dava pra ver. 
Dava pra ver na imensidão suave pela qual ela me tirava do sério. 
Era um jeito, uma timidez, era na forma do piscar dos olhos, da atenção que ela doava,
da beleza infinita e despretensiosa.
Uma gama inconcebível de variáveis que desataram danadas no arranjo que era Ela, 
dos alinhamentos cósmicos às aleatoriedades e preços da vida.
Era Ela, única no mundo como todos os outros, 
na combinação perfeita e rara de um ser tão humano quanto todos, 
mas numa plenitude inconcebível pela forma como a vida desaguou Nela,
e como Ela desaguou na vida e escorreu por ela, 
e como de passo em passo, de sol em sol, a vida se foi levando por Ela, 
quem, na verdade, levava mais a vida que a si mesma. 
Nela. Onde até os erros ecoavam poesia.




Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto dói a vida
Essa dor tão doída, não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala do seu bandolim
Naquela mesa ta faltando ele
E a saudade dele ta doendo em mim




Calejada por demais para admitir que a vida é pouco, que é suave,
e doce, infinitamente doce, pra negar que a vida é, ainda assim, uma oportunidade bela, 
ou um conjunto delas

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