quarta-feira, 7 de março de 2012

Buenos Aires

Eu refiz meu caminho, meu primeiro caminho ditado das ruas de San Telmo, o refiz inteiro desde o ponto de partida. Sem intenção iminente, me peguei com as pernas ditando direções comuns, como que Buenos Aires me levasse naturalmente a elas, todas.

Foi no meu ultimo dia porteño, por assim dizer.

Logo después de ver partir minha compañeira dentro del colectivo numero ocho, na direção longa do aeroporto de Ezeiza, me fui adelante cruzando a Independência onde a Av. Paseo Colón desembocava diante da grande construção neoclássica que sedia a faculdade de engenharia da UBA; imponente, classuda e decaída.
  As ruas se iam alheias, as pessoas apressadas e os homens sempre atentos com seus inevitáveis, incógnitos e galantes sussurros sempre audíveis a ouvidos femininos. Ventava daqueles ventos que anunciam chuva, e as folhas secas, poucas, viajavam por entre as pernas, deslizavam pelo asfalto e pela irregularidade idosa das calçadas. Vi que a Avenida Belgrano se aproximava e, logo a direita, advinhei o Chino careiro que tanto nos tomou a paciência com suas músicas pops orientais. O vento apressou-se em emaranhar-me os cabelos e a praça que pronunciava a vista da nossa janela se fez ali. Ali tão surrada e salpicada de gente

como tantas vezes antes, invadida pela mesma passeata que nos acordava manhãs a fio pelas batucadas proletárias de viejos porteños.

Me lembrei do Livro mágico encontrado no meio de tantas outras publicações encantadoras que compunham a mesa de centro do apartamento 4A, em cujo edifício, número 148, diga-se de passagem, residia uma senhora carrancuda e um porteiro banguela que à troca de seus dentes fronteiriçoes residia numa das terraças mas bem quistas do microcentro da capital argentina. Eis que me ocorre outra lembrança.

A terraça.
Coisa linda, uma vista que de tão vasta que quase se podia ver o pequeno porto de Colonia ditar bifurcações pra Montevideo. Era, veja bem, uma panorâmica 360graus de San Telmo, de Puerto Madero e do Rio-Quase-Mar-de-La-Plata.

Recordei-me das tantas reflexões que o nascer-do-sol-daquele-ponto-de -vista-da-terra pôde nos ofertar. Lembrei de como hablamos sobre o verde no centro do espectro luminoso visível, em como parecia impagável ver o sol submergir de um rio tão geopoliticamente conhecido... Em como o céu, e isso foi dito, parecia relativo, infinito, opaco, ilimitado, tudo ao mesmo tempo; a forma como o prédio do Ministério da Defesa se fazia sempre muy hermoso e pequeno visto do alto. Como a liricidade aventureira das fiações que cortavam o céu nos convidavam à tirolesas, cordas bambas e outras formas inustiadas de equilíbrio.

As coincidências, el infinito del mar, la relatividad del cielo, la duda, la belleza, la magnitud de los dos.. tan similares

Parei. A Paseo Colón se mesclava con  a Avenida La Rabida para logo después de em Rivadávia, numa questão cartesiana de curvas apresentar-se más hermosa que nunca, una belleza que sediava o coração provinciano da junção de Montserrat con Sal Telmo: la Av. de Mayo.

Adentré na plaza de Mayo como que camuflando-me, onde pombos, empleados, niños e manifestantes formavam entre si teias fluidas de energias distintas, vidas, destinos e andares completamente alheios e codependentes naquele dia de sol, naquela interação convencional dos centros urbanos. Un chico brincava de ser rei no reino submisso dos pombos, uma senhora vendia fitinhas da campanha do câncer com olhar de quem na verdade fazia caridade. Um outro ouvia rádio sentado displicente no banco da praça, uma mãe puxava seu congenito pelo braço e, embalada na pressa pro trabalho, se ia em descompasso largo com as pernas curtas do filho. Dava vontade de pedir calma. De portugês mudo e castellano recém estrangeiro.

Pensei nos filmes antigos de procederes fantasiosos e, por minuto, Mariano Barrionuevo numa imaginosa aparição, cruzaria meu caminho naquela sexta-feira que pra mim era última e para ele seria só mais um dia de pretexto pra sair na rua e dar a conhecer a cidade de Buenos Aires aos seus alunos. - Ora fomos ao cemitério da Recoleta, vimos os gatos enfermos nas entranhas de tudo, conversamos sobre um bordel, um músico, pianos e a dita rua tacahuano, que posteriormente me confundiria os sensos de difereção. - E, em sua aparição, ele cruzaria não só a direção, mas olhar. E me olharia indignado com a questão explícita, 'Por onde foi que andaste?', ele perguntaria com a mesma entonação com que eu lhe direcionei o questionamento acerca de quantos anos é que faziam que o piano residia em sua vida, e eu sorriria como que meu sorriso lhe fizesse bem, e com o mesmo olhar de felicidades que o olhei quando me relatou a história do Nigri, seu cachorro vira-lata, apenas continuaria a sorrir.
Ah, Sr. Barrionuevo, mal preenchendo suas calças apertadas no cinto, como é que preencheria meu coração?

Mariano não apareceu, obviamente, como disse. Sei que de forma ou outra me foi bom revê-lo naquele dia que ventava horrores. Obrigada, era tudo o que eu gostaria de dizer. Enfim, subi Av de Mayo feliz da vida, passando pelo café London no qual nunca entrei, cumprimentando em silêncio o início andino da Calle Florida, os sebos de livros e coisas diversas, um Havana, milhares de kioskos, cambié unas monedas y me fue hasta el plaza San Martín.

Não foi de subito, mas me bombardearam as lembranças.

O reggeaton, a rua niceto, Rua brasil 669, Grooooove santa fé alguma coisa,
clandestino, tequila, mais reggaeton y folklore.
Chacabuco, pub, blues ausente.
Alguma coisa banelco, um ônibus que vai direto, fica ali na esquina.
Aqui me quedo, ai que medo!
Multifruta, cepita, empanada, sede, feira feira feira. Capresssse.

As noites de infinito bom humor.
Os almoços de constante pasta, beringela tomate cebola , feijão?
As ressacas sedentas, a água da torneira, aveia do biscoito.
Someboooooodythat i us..., heart a mess, agora.

O pêssego na geladeira, a toalha no corpo, a vergonha na cara.
O desespero, a chave na porta.
O portugês mudo no ônibus, o silêncio de quem é nativo.
As janelas vizinhas na nossa janela, o le bar.
Le Bar,
Lamour.

As paixões furtivas pelos prédios, pela beleza ordinária dos homens
pelo granizado no frapuccino.
O assovio, o elevador, o escuro,
a linha A do metrô, as linhas mils dos colectivos.
Fernet.
coca, coca, fernet.
Quilmes, varanda, foto, nudez. Alma.

Alguma hora confusa da madrugada,
pois aqui no verão o dia é longo, pensei, e a madrugada é profunda.
O final da tarde se anuncia com um sol a pino
e o limiar da noite se pulveriza no nascer precoce de mais um dia
14 horas de um sol longo no céu.
Trinta dias de amor na alma,
de medo, de agonia, saudade,
trinta exatos dias de profunda... profunda o que exatamente?
Pouco importa o substantivo, veja bem.


Fernet, quilmes, coca, Fernet
janela, tigre, tren
córdoba, geladeira
ar condicionado, poeira, 
janela tigre tren


que lindo, que lindo! me pareceu
que lindo, pensé
y contemplé


e cerrei os olhos, esperando que algo a menos os cortassem feito eles cortavam meu destino,
que era tudo que colava na minha retina futuro adentro:
 Os muros e os prédios e as pessoas e o balançar das folhas e o negativo daquelas lembranças que, sucessivamente com o meu andar, de porvir, viravam presente.