sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Da série As Coisas Soltas da Vida; Na cadência que só um samba...


Foi em pleno carnaval.

Sabe aquele movimento orgânico incessante feito um labirinto vivo e fluido de gente movido a música e álcool? Pois era.
Amigos há tempos, aqueles dois. Tempos medianos, não tanto de infância e não tão recentemente dos frevos de faculdade. Tempo suficiente, pois.
Compartilhavam dessas amizades leves, cômicas. Coloridas pela ordem natural das atrações.

Bem, era carnaval:
euforia etílica,
os sentidos embaralhadamente aguçados, o pudor a bailar emaranhando todas las vontades;
um tango meio sambeado para uma lascívia; um cintura prum olhar. Efusividade prum abraço (coletivo),
uma mão pruma garrafa de cachaça, pruma bunda, pra seios de plástico.
Dedos pra agarrar, cabelos para serem agarrados.
Roupas para suar, celular pra perder,
Pés para querer. E ir.
Um bigode postiço pro riso;
uma alegoria prum pretexto.

Eles se olharam no findar de um desencontro, desataram a rir cúmplices e, então, pararam:

"Como tá procê aí?"
"Tá bem", olhou pros lados, dançou um quarto de samba, fez reverência, "Eaí?"
"Tá bonito", deu com os ombros e sobrancelhas como quem dá um veredicto retórico, meio riso, "Tâmo bem, hein?"
"Bota bem..."
"É.."
Um sorriso e meio, "..."
"...", Um olhar pelas metades

Uma pausa pruma dúvida.


"..."

...

...

...

.

Um traço diagonal desalinhou olhar afora fixando as retinas de um na boca do outro, desdobrando ato tal num sorriso mútuo;

- "Cê tem uma boca de curinga", um deles soltou

E tinha mesmo.

Os olhares se fizeram baixos; lábios esquecidos entreabertos, desses que tomam pra si a finalidade inteira de expressar contemplação. O resto do corpo fazia papel de sustento. As mãos de um é que tomaram a iniciativa de tocar os lábios do outro, e assim apressaram-se a delinear, curiosas, as fendas que davam ao sorriso um alongamento horizontal de curinga; sorriso triangular de traços oblíquos, diga-se de passagem, desses elogiados desde a infância.
E, como que já não houvesse calor suficiente, a ponta dos dedos passava, agora, a roubar da pele fina e rubra dos lábios tais parte pouca da energia térmica que praticamente expulsavam; consequência direta do fluxo sanguíneo acelerado pelas firulas carnavalescas. Calor pouco porém suficiente para aumentar a curiosidade, não só das mãos mas do corpo inteiro, pelo gosto da língua ali guardada. Tanto e pacientemente adiada. A vontade.

E assim findou a espera:

Juntou os próprios lábios com aqueles que lhe prendiam os sentidos e os guiou de encontro a si como quem leva o primeiro pão-de-mel da vida ao paladar. Os beijou com uma minúcia de quem degusta pela primeira vez e sente a iminência de um medo de perder o teor suave de algum tempero sutil; a prudência diante do desconhecido; a sede e o cuidado de alguma aventura da meninice quando as curiosidades parecem emanar de tudo. Tudo. E se demorou na descoberta da primeira textura, seca. E se aventurou nos diversos ângulos que lhe eram permitidos, todos ditados ainda com muita cautela, como que ainda pedisse permissão num ato agoísta de descoberta. E a cada novo beijo, um pedido. Um demorar-se com e em si. E quando a vontade mútua transbordou em evidência, toda alegoria que os rodeava dançou invadindo-os gradativamente feito serpentina no ar, e degustaram um ao outro enquanto o carnaval fluía em cores e marchinhas.
Enquanto o carnaval fluía em algum brilho forjado, em umas e outras garrafas esquecidas no chão;
em ombros, milhares, amigos que sustentavam axilas amigas suadas de euforia. E quem disse que os ombros ligavam?
Tava tudo bêbado de suor e inebriados pelos pés que saltavam do solo salpicado de confetes e coisas soltas
numa frequência harmônica da cadência que só um samba



(de raiz)



sabe sambar.

2 comentários:

  1. Narrativa maravilhosa! Eu estava pensando nesses encontros e também nos desencontros... pensando como a vida é fulgaz de uma maneira bonita.

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  2. "quem é você, diga logo que eu quero saber o seu jogo, que eu quero morrer no seu bloco, que eu quero me arder no seu fogo..."
    só me lembrou isso... lindo, manuzinha, como sempre!

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