segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Queria aquelas palavras elípticas encaracoladas trançando-me o ouvido até que a alma alcançassem perdidas e súplicas.



Eu olhei para aquela mulher sentada um banco a minha frente no ônibus falando no celular com seu português angolano e senti um negócio inexplicável. Instintivamente inexplicável.

Mulher negra linda de maçãs do rosto perfeitamente volumosas, de sotaque chiado, dicção fluida que me remeteu a algo circular, elíptico, algo bonito e enrolado. Enrolado como a mola formada por pequenos cachos na beira da nuca com os quais ela brincava de emaranhar os dedos; enrolava-os numa habilidade que só o hábito há de criar.
Molinhas perfeitas que lhe invadiam a borda inferior do couro cabeludo coberto de um rastafari trançado provavelmente há certo tempo. Tranças que pareciam entalhadas em mármore negro, ou feitas de fios de náilon cobertos em breu e brilho. Ela usava brincos de pérola que se destacavam num contraste incomum e continha nos lábios uma quantidade de carne e sensualidade de darem água na boca.

Não foi por pouco que invadi aquela mulher e ousei descrevê-la como fiz, a quase desculpar-me em voz alta pela natureza e profundidade com a qual a invadi em suas entranhas forjadas em pensamentos preciosamente meus. Árduos. Verossímeis pensamentos, desses que fazem a pulsação mais rápida e a respiração instintivamente mais volumosa. Pensamentos meus. Inteiramente meus; ela me pertenceu, aquela mulher. Efêmero, lapso, epifania; eu a contive.

Eis que imaginei-a beijando bocas, não necessariamente muitas, nem as contei ou incluí entre elas a minha, apesar de terem me pertencido façanhas tais. A visualizei por completo, verdade. Forjei calor, textura, todos igualmente intensos e intensamente gostosos. Sempre muito quentes. Tudo-sempre-muito-quente. A pele dela negrazul fervendo em minhas digitais em ponto de fusão, perdendo todo e qualquer traço de identidade ou juízo. Uma saliva negra adensando na minha. Uma umidade de inebriar o atrito. Lábios internos naquela cor de pele clara, degradê desaguando na branquidão óssea dos dentes. Dentes de morder, de roubar, de tirar. Dentes de rasgar.
Um cintilar azul, uma beleza que eu tragaria até ficar todo bêbado. Até doar todos os sentidos. Até doer os membros; até que me fizesse fadiga, até que me fizesse sublime. Até sublimar a visão, o tato, o gosto; até destilar o que via.
Uma beleza que eu descreveria em epopéias pra tentar guardar um tanto, um mínimo.
Que seja.
Que fosse.
Queria aquelas palavras elípticas encaracoladas trançando-me o ouvido até que a alma alcançassem perdidas e súplicas. Cheias de tesão, sexo e suor;

feito aquelas negras tranças;
carne, paixão roubada, instantânea,
souvenir, obra prima, relíquia,
feito colecionável, feito apaixonante,
melanina, beleza pura.


Nenhum comentário:

Postar um comentário