sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

fim do dia


Eu vejo geometrias fractais se desenharem fluidas nos meus olhos fechados banhados de luz;
Eu vejo poesias se delinerem antropomorfas dentro do ônibus salpicado de gente;
E os anjos da Cateral congelados e suspensos sutis como se leves fossem; talvez orgânicos;
Eu vejo os carros deslizando num asfalto dourado de sol-se-pondo,
Carros imersos em pressa,
Pressa atrasada que aparece nos últimos minutos mais próximos de qualquer fim,

Eu vejo mais um fim de mais um dia,
que se releva no sol que se põe, no trânsito que se acumula,
numa cabeça que pende pesada sobre uma mão apoiada na janela de um carro;

Vejo fins de dias no limiar da escuridão,
Eu vejo gente com sede de casa.

E não compreendo o que isso tudo me tem a dizer,
Mas eu vejo uma senhora indigente postada de pé em frente ao clamado Congresso,
acompanhada de suas prováveis velhas malas, debaixo de camadas coloridas e aleatórias de panos em forma de roupas, atemporal feito só ela, fitando o contra-fluxo de tudo que volta pra casa como se, ali daquele jeito, tragrasse um vazio lindo de coisa qualquer que tenha ares de saudade, de casa, de lar. Talvez seus pensamentos ajam loucos debaixo daquele amontoado de roupa, mas com o semblante sereno e atemporal, a senhora se fazia existir.
Fato que me recordou de um dia. Dia em que tudo que me atingia no meu passar cotidiano tentava me comunicar mensagens infindas; pessoas cheias de intenções e trejeitos, vozes altivas e barbas bem-feitas, maquiagens retocadas, tímidas e desleixadas vaidades, tudo salpicado de intenção, Mal me davam o tempo ou a proeza de pensar, ou, quão menos, apreciar coisa qualquer; a apreciação vinha antecipada em forma de pretensão, e tudo fazia uma lógica perfeita. Urbana, moderna, blasè. Foi ali, num intervalo silencioso: um mendigo se aproximou e desatou a apresentar-se em verborragias circulares completamente ilógicas. Da língua portuguesa, veja bem, nada destilei. Mas o que vi nos olhos dele foi um vazio de pretensão, um vazio azul e profundo feito oceano e pela primeira vez, já no findar do dia tal, tive vontade de sorrir. Não por comicidade ou verdadeiro humor, mas por uma isenção profunda e azul como os olhos deles se-me-mostravam. Era crueza. Ele se ia sendo quase sem finalidade, pois foi quando fez reverência e saiu andando me deixando apenas sua mensagem de dicção embaralhada. Foi crueza... Que daquele velho mendigo saía em forma de olhar e que em mim se esboçou em sorriso

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