quarta-feira, 30 de novembro de 2011

resenha de alguma e qualquer percepção desapurada



estranhos num café

Talvez só estivesse sozinho demais para querer ficar sentado com a cadeira da frente vazia e a outra metade da mesa limpa; Talvez um isqueiro como pretexto fosse suficiente para espantar a solidão à potencial companhia daquela estranha mulher na casa de seus quarenta e poucos anos, quase cinquenta. Ela, igualmente só. Sentada à sua frente. Ambos próximos e desconhecidamente familiares naquela varandinha essencial, apertada, porém essencial. Ela usava seu par provavelmente preferido de oxfords clássicos, bico fino, salto número cinco. 

Deu-se o tempo da percepção. Ambos fumavam, ainda recolhidos cada um em sua mesa, conscientes de uma ligação mútua. Foi ele quem tomou a iniciativa, depois de ela muito fugir, cheia de charme, dos olhares furtivos e frequentes que ele passou a lançar.

Acenou com o queixo em direção ao isqueiro que ela segurava ludicamente na mão. Sorriu, evidenciou, entre os dedos, um cigarro novo em folha que esperava resposta. Agora foi, ela pensou. O isqueiro veio ao encontro dele. Foi como se nele estivesse contido um novo convite, "Então, sentaí, acho que já entendi minha imagem praticamente pregada à sua retina. Tô sozinha também, vai, senta". Ou talvez o pedido pelo isqueiro já soasse exatamente como uma pergunta de quem se convida para sentar. Assim foi, ele se sentou. Não precisaram de muitas palavras, fluiu, pá pow, sutil e suave, preencheram a metade da mesa que lhes faltava, limpa, agora, suja. Cheia de papeizinhos amassados, palitos de dente e saches de sal ou açúcar ansiosamente destroçados. Essas coisas corriqueiras, entre assuntos corriqueiros, importantes, de gente grande. É assim, vê? A alma humana.


Vividos, os dois, era bem notável; cansados, sozinhos. Ao menos naquele instante, naquela mesa; convite mudo, guerra fria, desejo mútuo, Café com Letras. Bebiam cerveja, no entanto. Talvez se conhecessem de vista, de frequência, vá saber; de qualquer forma, era a primeira vez de uma colisão efetiva. Reação química, temperatura em ascensão.

Penso assim, talvez não fosse solidão apenas, 
talvez um fosse realmente valioso para o outro, 
talvez aquele contato fosse premeditado, esperado há dias;
ou talvez fossem mesmo suas primeiras ou últimas opções de sexta-feira,
abstinência prestes a ser quebrada; 
na hora, no lugar e nas pretensões certas, perfeitamente cabiam um ao outro.


Atração irremediável, insasiável, não tão mais física, mas ainda sedenta.
Nada que não o corpo do outro grudado,
nada como aquele belo par de oxfords jogados à esmo e às pressas, 
ou cuidadosamente descalçados, 
com direito a carinhos e beijos lentos;
ou desejo apressado, maduro, sexo cru,
obscenidades verbalizadas, dessas  ensaiadas 
e ditas durante anos de experiência.
 . 
Clássicos oxfords preto e branco à esmo pelo carpete, 
ansiosos, sedentos, esquecidos. 
Desejo. Preenchimento.

                                                                          É, era isso: 
Em qualquer caso, companhia, abstinência ou Café: 
Preenchimento.

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